Empresa desenvolveu sistema de moagem e reaproveitamento de resíduos e reduziu custos em até 10% o projeto, em fase piloto, será disseminado para outros canteiros
A Cyrela está colocando em prática um sistema que permite transformar entulho em agregado reciclado para reaproveitamento nas argamassas da própria obra. O projeto, que começou a ser desenvolvido em 2009, está sendo testado em duas obras piloto na cidade de São Paulo e a intenção é estendê-lo, em breve, aos demais canteiros da empresa.
Os teste começaram no final de 2012 na obra Mood, empreendimento de duas torres localizado no centro da cidade. A Cyrela fechou parceria com a empresa de reciclagem Construeco para montar um moinho de martelo – equipamento que tritura o resíduo – no terceiro subsolo do edifício. A partir de então, todo resíduo classe A – concreto, argamassa, alvenarias e componentes cerâmicos – que seria destinado à caçamba passou a ser entregue à equipe de reciclagem que tritura o material para atingir granulometria da areia fina (de 0,5 a 0,42 mm). O agregado reciclado é ensacado, desenvolvido à obra e usado como substituto de parte da areia natural na composição das argamassas de revestimento, contrapiso e assentamento da alvenaria de vedação.
Com o processo, a empresa tem conseguido eliminar o uso de caçamba para resíduo classe A, que é especialmente complicado numa região com restrição de tráfego, onde os caminhões só podem circular das 22h00 às 5h00. Além disso, a reciclagem tem gerado economia, segundo explica Alexandre Britez, gerente de qualidade, desenvolvimento tecnológico e meio ambiente da Cyrela. Na comparação dos custos, o processamento do entulho sai um pouco mais caro do que o descarte em caçamba. Porém, quando se inclui nessa cota, o preço da areia que a obra deixa de comprar – já que parte dela foi substituída pelo reciclado -, o resultado é positivo para a construtora.
“Se somarmos os custo da caçamba ao custo da compra da areia e compararmos esse toral ao valor pago pelo processamento do entulho, estamos economizando de 5% a 10%, comenta Britez. Se não houvesse nenhum tipo de perda no processo e a máquina não apresentasse nenhum problema, poderíamos até chegar a 15% de economia. Mas esse número é utópico porque sempre há algum tipo de problema. O potencial de 10% de economia é bem adequado e dá para atingi-lo com tranquilidade, com base no que estamos fazendo hoje”. A Construeco fornece a máquina e a mão de obra para operá-la e cobra pelo metro cúbico de agregado produzido, mas as empresas não revelam o preço do serviço.
Embora seja possível comprar agregado reciclado no mercado, essa ação era uma prática da construtora, pois, de acordo com o engenheiro da Cyrela, a variabilidade do entulho que chega a um aterro é muito grande e acaba afetando a homogeneidade do agregado reciclado que é vendido. “Na obra eu tenho controle de tudo o que entrou. Toda a matéria-prima é conhecida, por isso, o entulho é de primeira qualidade”, justifica Britez. “A máquina tem conseguido uma granulometria até mais padronizada que a da areia natural, porque na compra de areia também existem alterações que são próprias da natureza”.
Desenvolvimento Tecnológico
O uso do agregado reciclado em obra começou a ser estudado pela Cyrela em 2009, quando o departamento de desenvolvimento tecnológico analisava meios de inserir esse material no traço da argamassa virada em obra. Ao longo do processo, os engenheiros perceberam que a substituição da areia pelo reciclado não causaria problema de aderência, mas que uma quantidade grande de resíduo poderia aumentar o risco de fissuração. “A argamassa com resíduo reciclado contém um pouco de cimento e isso influencia outras propriedades do revestimento. Fomo testando qual era a quantidade limite do resíduo que não prejudicava o desempenho e chegamos a um traço seguro para não causar fissuras”, afirma Alexandre Britez.
A areia nas obras da Cyrela, é distribuída em sacos padronizados de 271. Normalmente, a argamassa de assentamento e revestimento consumiria três saco de areia média e oito de areia fina, mas com a nova composição definida pela construtora, dois dos sacos de areia fina são substituídos pela mesma medida de agregado reciclado. Foram realizados ensaios de resistência de aderência à tração de argamassa de revestimento conforme a NBR 13.528 e, de acordo com a construtora, o resultado ficou acima de 0,3 MPa, valor mínimo exigido pela norma.
Britez destaca um ponto importante para a viabilidade do sistema: a qualquer momento, caso haja falta de agregado reciclado, o material pode ser substituído por areia, sem nenhuma alteração no volume dos demais componentes da argamassa e sem prejuízo técnico à qualidade do produto. Significa dizer que o cronograma da obra fica protegido contra eventuais quebras ou manutenções no moinho de martelo, pois a construtora tem sempre a opção de voltar a usar apenas a areia natural, evitando que as frentes de serviço fiquem paradas.
O estudo do traço foi concluído em aproximadamente um ano, porém, a Cyrela ainda levaria quase o dobro desse tempo para encontrar um fornecedor que fizesse a moagem do entulho segundo as especificações necessárias. Britez relata que as máquinas disponíveis no mercado eram dimensionadas apenas para o processamento de grandes volumes de resíduo, como em uma usina de reciclagem, e não seriam adequadas para o volume produzido em uma única obra. “Fomos buscar empresas que tinham máquinas, estudamos muitas opções, mas nunca conseguimos viabilizar”, conta o engenheiro. Apenas em outubro de 2012 seria fechada a parceria com a Construeco, após Britez tomar contato com o projeto-piloto que a empresa estava desenvolvendo em outra obra, com uma máquina de dimensões menores.
Foram necessários mais de cinco meses para adaptar o equipamento e atingir a granulometria exigida pela Cyrela – e até o início de maio, a máquina ainda passava por testes de regulagens. “Chegar àquela granulometria foi difícil”, lembra Walter Capello Junior, sócio-diretor da Construeco. “Tivemos que fazer adaptações nos jogos e no número de martelos, discutir o desgaste dos martelos – que é grande – e analisar até que ponto isso compensaria [do ponto de vista econômico]”. Segundo Capello, o mais comum no mercado era britagem do entulho, não a moagem.
Hoje o moinho consegue processar todo entulho gerado na obra do Mood e é operado por dois trabalhadores. “Produzimos de 5m³ a 6m³ de agregado reciclado por dia, em média, o que representa um aproveitamento de 7 m³ a 8 m³ de entulho que seria descartado na caçamba. É o equivalente a duas caçambas por dia”, comenta o dirigente da Construeco. A expectativa de Britez é liberar a tecnologia para uso em todas as obras da Cyrela dentro de mais três meses, mas o uso efetivo do sistema de reciclagem ainda depende da disponibilidade de máquinas para atender aos diversos canteiros. No momento, o projeto segue como piloto na obra do empreendimento misto Thera Berrini, também em São Paulo, onde a partir do entulho é produzida brita corrida para compor os sistemas de drenagem. Há planos de levar para lá o moinho de martelo em breve, e produzir, também, agregado fino para as argamassas.
Planejamento e Logística
Duas condicionantes foram essenciais para viabilizar a reciclagem de resíduos na obra da Cyrela. A primeira é o fato de a empresa produzir argamassa em canteiro, o que cria demanda pelo agregado reciclado, e em volume suficiente para justificar o investimento do fornecedor. Isto é, como tanto a máquina quanto a mão de obra de reciclagem são custos fixos da Construeco era preciso que a obra consumisse uma quantidade mínima de agregado por dia para pegar esses custos e remunerar a empresa. Por outro lado, também é preciso que haja entulho em quantidade mínima para alimentar o moinho.
Por esse motivo a instalação da máquina na obra só pode acontecer depois que o serviço de alvenaria tem início, pois é nesse momento que há, ao mesmo tempo, geração de entulho classe A e consumo de argamassa. “É preciso encontrar um equilíbrio. Os 5 m³ a 6 m³ de agregado que são produzidos diariamente nos atendem perfeitamente, não adianta o fornecedor produzir mais rápido porque não haveria demanda”, relata Britez. “A Construeco só vai ficar na obra durante uma fase. Ela não pode entrar no começo porque não há resíduo para reciclar, e daqui a pouco ela vai embora, porque o volume de resíduo para reciclar também vai diminuir”, disse o engenheiro quando a alvenaria de Mood estava em fase de finalização.
Outra condicionante é o fato de que a Cyrela já fazia, há vários anos, a gestão de resíduos em seus canteiros. Cada empreiteiro é responsável pela separação pela separação e envio de seu resíduo até a caçamba. A única mudança logística foi que, agora, os operários passaram a enviar o resíduo ao terceiro subsolo, onde está o moinho de martelo. Ter essa separação dos tipos de resíduo na origem é fundamental, porque a Construeco não tem equipe dedicada à triagem do entulho – isso encareceria os sistema. O material tem que chegar ao moinho pronto para ser triturado, sem mistura com resíduos de outros tipos, como madeira.
Antes da moagem, os funcionários da Construeco apenas retiram algumas impurezas que tenha passado desapercebida para evitar que isso danifique a máquina, mas esse volume de impurezas – que Britez estima ser de 5% – tem que ser pequeno para não interferir na produtividade dos recicladores, “Nós não somos gestores de resíduos”, enfatiza Walter Capello. “Fizemos apenas o beneficiamento do material, mas não nos preocupamos em gerir se a obra está limpa ou não”.
A responsabilidade pela qualidade da argamassa produzida com agregado também não recai sobre o fornecedor. O compromisso dele se limita a atingir a granulometria desejada e entregar o agregado ensacado para o uso da construtora. “A responsabilidade do revestimento e do contrapiso é totalmente da construtora porque quem faz a argamassa é ela”, dia Alexandre Britez. “E a qualidade do resíduo, inclusive, é de responsabilidade nossa também, porque quem fornece a matéria-prima somos nós. O fornecedor só é contratando para entregar aquela granulometria”.
Do ponto de vista logístico, algumas condições são importantes para que o sistema funcione. A máquina precisa ser montada em local plano, coberto e ventilado. Caso não haja um subsolo com essas características, é preciso preparar uma área com cobertura e piso nivelado, além de fornecer energia para o moinho de martelo. Também é necessário planejar a área de estoque do entulho trazido da obra e do agregado processado. O entulho precisa estar seco para não prejudicar a máquina na hora da moagem, por isso, a estanqueidade do local de armazenagem é fundamental.
O gerente de desenvolvimento tecnológico da Cyrela se mostra satisfeito com os resultados obtidos até agora. “Se eu tivesse mais dez máquinas, já estaria usando em outras obras”, afirma Britez. Ele acredita que a expansão do sistema é certa e conta que já houve interesse de uma grande universidade em conhecer na prática o processo.
Fonte: Revista Construção Mercado, junho de 2013
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